Com frequência, escuto no consultório alguns pacientes dizerem, logo que a sessão começa, que não sabem o que falar, dizem que a semana passou muito rápido e não pararam para pensar. Considero isso bastante genuíno e não vejo problema; eles estão ali exatamente para parar tudo que estão fazendo simplesmente pra pensar. E esse simplesmente não é assim tão simples, principalmente nos dias de hoje onde ninguém tem tempo pra nada. Aquele velho discurso que invade nossos pensamentos sem reflexão: “tempo é dinheiro, preciso fazer alguma coisa, não posso ficar aqui parado” e é justamente no ócio que nossa criatividade brota. Não é sem razão que os melhores insights e ideias surgem no banho ou na cama prestes a cair no sono. São nesses momentos de pausa que também surgem os piores fantasmas. Não é a toa que a insônia e ansiedade aparecem com tanta frequência, ninguém quer mais parar pra pensar, pra sentir, pra conversar...
…ELABORAR…
(Elaborar: 1 elaborar, criar, escrever, formar, redigir, apresentar, desenvolver, intentar, levantar, organizar, concluir, induzir. Exprimir: 2 exprimir, articular, dizer, emitir, enunciar, expor, expressar, manifestar, pronunciar.)
Pois é, exige tempo e trabalho! e estamos todos atrasados e contraditoriamente perdemos tanto tempo com conteúdos vazios na internet. Ah, me lembrei agora mesmo! ontem numa sessão um paciente me falou sobre o “brain rot” eu não conhecia o termo.
(Na cibercultura, o "brain rot" refere-se a qualquer conteúdo da Internet considerado de baixa qualidade ou valor, ou aos supostos efeitos psicológicos e cognitivos negativos causados por ele)
quantas vezes me vi deitada pra dormir e vou espiar RA-PI-DI-NHO o instagram.
…e lá se foram meus vários minutos preciosos de descanso, de estar comigo mesma…
voltando pros pacientes, esses que querem parar pra pensar, geralmente, começam a comentar sobre os acontecimentos da semana, até que se aprofundam em questões mais subjetivas. Com o tempo, algumas pessoas começam a entrar em análise, quando percebem que não se trata de falar sobre os outros, mas sim sobre o que o outro desperta nelas. Quando isso acontece, é possível que ocorra uma mudança significativa na vida de quem busca o autoconhecimento. Falar de si mesmo não é uma tarefa fácil; é perturbador. Outra coisa que escuto com frequência dos meus pacientes é que não gostam de pensar certos assuntos, acha que se pensar, vai sofrer mais ou então vai atrair. “melhor não pensar nisso.”
É que encarar aqueles cantinhos dolorosos e obscuros traz um grande desconforto, e por isso é sempre mais fácil atribuir a culpa aos outros. Ou então simplesmente não pensar, como se o fato de não pensar, a coisa deixasse de existir. Mas existe e a conta chega, seja pela via do corpo, seja por tantos outros sintomas. Acredito que, por esse motivo, realizar uma boa análise pessoal requer tempo, paciência e confiança. Como diz Clarice Lispector:
“Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro.”
Parar pra pensar é essencial para enxergar com clareza, sem pressa, prestando atenção. Pensar é uma ação que exige esforço; é um verbo, um movimento. Isso é diferente do pensamento, que pode ser passivo. Muitas vezes, pensamos sem realmente refletir. Refletir sobre nossos pensamentos é uma ação que traz implicações, entrega e um desejo de introspecção. É como se pudéssemos nos observar de fora, sem, no entanto, nos perdermos de nós mesmos. É um estado meditativo, onde nos abrimos para o que surge, permitindo que as ideias venham sem interferências, enquanto questionamos, analisamos e superamos. É nesse momento de reflexão que, inevitavelmente, as emoções emergem, como medo, vergonha, humilhação e tristeza. Quando pensamos, muitas vezes nos deparamos com o que preferiríamos não ver; isso pode ser doloroso. Mas ver é o único recurso pra poder de fato encarar o que se pensa, o que se sente. Como diz um grande amigo psicanalista, “a verdade dói, mais cura.” é permitindo sentir que a ansiedade se aquieta, e passa a ter uma mente capaz de suportar. Quando nomeamos o que sentimos, vem o alivio ; é quase como um abraço de acalanto. Não deixa de doer, mas ganha-se sentido.
Os filmes têm esse poder sobre nós: fazem-nos refletir sobre questões que muitas vezes nos incomodam. Quando um filme é realmente bom, ele nos leva a transitar por diferentes pensamentos e emoções. O filme "Ainda Estou Aqui", que recentemente ganhou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, aborda um tema relevante que nos convida a refletir sobre a injustiça da ditadura militar. Lembrar é um passo importante para a mudança, especialmente por meio de políticas públicas. É por isso que muitas pessoas resistem a encarar a realidade: a verdade pode ser dolorosa e exige um processo de crescimento. talvez por isso e a sociedade insiste em se manter infantil. Vivemos em um estado de pressa constante, sempre superestimulados e atrasados, com uma agenda que muitas vezes ultrapassa o que é possível viver em apenas vinte e quatro horas. Consumimos notícias rápidas, não conseguimos assistir a vídeos que durem mais de um minuto, aceleramos os áudios do WhatsApp e corremos em nossos carros, sem tempo para apreciar a paisagem pela janela. Afinal, só conseguimos realmente apreciar uma bela vista se andarmos devagar. É ao desacelerar que notamos os detalhes, nos conectamos com nossos sentimentos, podemos descobrir cantinhos preciosos da nossa mente e desfrutamos de um bom café.
Claude Monet – Canteiro de Íris no Jardim de Giverny – c. 1900 – Musée d’Orsay @
E como bom é parar pra ler e pensar sobre o que nos trouxe
Obrigada por compartilhar seus pensamentos e seu tempo <3